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PELO NÃO REBAIXAMENTO DA IDADE PENAL

Publicado em 17 janeiro 2012 por Karinne BRAGA FERREIRA

“ADOLESCÊNCIA NAO PUNÍVEL DE FORMA EXEMPLAR?”

PELO NÃO REBAIXAMENTO DA IDADE PENAL

Atualmente não menos de 6 projetos de emendas constitucionais ao artigo 228 da Carta Magna aguardam julgamento e tem finalidade de diminuir a idade de imputabilidade penal para 16 anos. Ademais, existem também propostas de rebaixamento para 17, 14 e 12 anos (1). A justificativa de referidas iniciativas são variadas, mas todas possuem um denominador comum, qual seja, o convencimento de que a sociedade necessita de proteção acreditando que “o acolhimento dessa proposta, por certo, contribuirá para a diminuição do crescente índice de criminalidade entre menores que continuam acobertados pela tutela da lei do ano de 1916”. (2)

Ao considerar referida afirmação, é forçoso não se interrogar a qual tutela se referem. E a conclusão mais imediata é aquela que “por certo” ou os ilustres deputados desconhecem a “lei de 1916” ou fazem somente o mesmo repetitivo discurso corrente da mídia brasileira, aquele gerado pela emoção do momento, “irracional” no dizer da Sra. Neuza Mafra, da Pastoral Nacional do Menor.(3)

Irracional porque desconhece a origem histórica dessa “tutela” a crianças e adolescentes, que jamais perseguiu uma proteção real, efetiva e eficaz à infância brasileira. No dizer de Foucault “todo e qualquer fenômeno, em sua esfera discursiva respectiva, é sempre produzido e formado por componentes históricos.” (4) Pois bem, em qual período da nossa história os menores foram “acobertados”, como afirmam os ilustres deputados? Ao longo de 400 anos de legislação, o que se percebe no trato com menores é que esses diplomas dirigiam-se exclusivamente às famílias pobres e excluídas, fortalecendo a percepção da pobreza e abandono como elemento patogênico. (5)

Desde o nosso primeiro Código Penal de 1890, a lógica da menoridade para lidar com crianças e adolescentes consideradas perigosas reforçava a pobreza como fonte de maleficências. (6)

A doutrina da “situação irregular”, que vigorou até a implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, parece mais presente que nunca quando se observam os discursos da mídia e de certos segmentos da sociedade civil. A situação de irregularidade englobava crianças e jovens “expostos, abandonados, delinqüentes, infratores, vadios, libertinos etc.” De qualquer forma, a condição socioeconômica familiar é que enquadrava um jovem como em “situação irregular”.

E o que estamos vivendo em pleno século XXI é exatamente o retorno a esse “etiquetamento” classificatório, que teoricamente deveria ter sido substituído pela doutrina da Proteção Integral quando da implementação do Estatuto em julho de 1990.

Certo é que não podemos mais anuir a discursos ilógicos e irracionais, sugeridos pela mídia irresponsável ou pela elite cega e sem memória.

Não se pode eximir a consciência emendando a Constituição Federal e ignorando que essa mesma Lei Maior tem como um de seus fundamentos a “dignidade da pessoa humana”(7), e como objetivo fundamental “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (8). A liberdade, justiça e solidariedade não se constroem para uma parte isolada da sociedade como se tem feito até então. Por força, apos 4 séculos de uma legislação apoiada na lógica do “Direito do Menor” nos sentimos atacados e aterrorizados pela infância e adolescência que pensávamos proteger, “acobertar” e incluir.

“Acobertamo-nos” única e exclusivamente em nosso sentimento de culpa e eximimo-nos da nossa obrigação (9) como cidadãos capazes de entender o curso da história, das leis e da nossa própria vida quando anuímos impassíveis diante de idéias geniais de implantação imediata de uma legislação que preocupa em punir e neutralizar ao invés de educar, incluir e responsabilizar.

Busca-se responsbilizar penalmente o menor de 16 anos acreditando que isolando-o em presídios, abrigos ou FEBEM’s nos livraremos do incômodo da convivência com essas crianças “perigosas”. Permito-me um parêntese apenas para considerar as conclusões do relatório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que nos informa que “71% das 190 unidades de internação no Brasil não atendem aos requisitos das Nações Unidas para o recolhimento de infratores…Mesmo as unidades havidas como adequadas, foram assim consideradas por cumprirem com o critério segurança e não por possuírem uma proposta pedagógica apropriada”. (10)

O que fazemos com a redução da idade penal é tão somente varrer, neutralizar, eliminar a presença física desses jovens do nosso convívio social. É algo muito similar à teoria da “janela quebrada”de Wilson e Kelling, que essencialmente buscava “varrer” do espaço público elementos ou situações incômodas ou degradantes. (11)

Certo é que, assim agindo, estaremos analisando o problema de “forma penal e não social” (12), o que não contribuirá na diminuição do índice de criminalidade entre jovens.

A pergunta é: por que deputados não propõem emendas de auxílio-maternidade, de auxílio educação, de inclusão escolar (não apenas de acesso ao ensino fundamental, como vem sendo feito, mas num segundo momento – ensino médio – com propostas de continuidade e garantia efetiva de democratização do saber). Por que não muda a ideologia ou o ângulo de visão do problema da infância com projetos de auxílio-família, garantindo trabalho, moradia e saúde às famílias de baixa-renda? E por qual motivo foram vetados nada menos que 9 artigos do Programa Nacional de Ensino (PNE) para o decênio 2001-2011, dentre os quais os que possibilitavam a ampliação dos investimentos em educação?

E como afirmam que a criminalidade é crescente entre jovens abaixo dos 18 anos? De onde tiraram suas conclusões, uma vez que estatísticas afirmam o contrário? Sim, o relatório da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (ANCED) e do Fórum DCA – Fórum Nacional Permanente das Entidades Não Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente – constataram que no estado de São Paulo (considerado um dos mais violentos do pais), “é pequena a participação de adolescentes em crimes graves. Eles são responsáveis por cerca de 1% dos homicídios intencionais em todo o Estado. Eles também estão envolvidos em 1,5% do total de roubos, maior motivo de internação na FEBEM, e 2,6% dos latrocínios.” (13) No Brasil, segundo pesquisa da Organização das Nações Unidas (ONU), estima-se a participaçao de jovens em atos infracionais em torno de 10%. A título de curiosidade, segundo o mapeamento do IPEA, “o alvo preferencial da infração atribuída a adolescente é roupa, bonés, tênis, relógios, enfim, tudo o que representa status de consumo do mundo contemporâneo” (14).

Dessa forma, totalmente descabida a afirmaçao básica justificadora de quase todos os projetos de emendas constitucionais de rebaixamento da idade penal de que “crescem participaçoes criminais sob o manto da adolescência não punível de forma exemplar.”

Punição de forma exemplar deveria ser imposta à situação de desigualdade social que contribui para esse tipo de comportamento bem como a distorção de enfoque gerada pela mídia. Aliás, segundo coeficiente Gini de desigualdade, “o Brasil é o sexto país mais desigual, perdendo apenas para Namíbia, Botswana, Serra Leoa, República Central Africana e Suazilândia, todos da África subsaariana” (15).

A implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente foi a primeira inovação substancial latino-americana a respeito de o modelo tutelar de 1919 (16). Se a parte dedicada ao tratamento de crianças e adolescentes infratores não vêm surtindo efeito, não mostrando efetiva ressocialização e não reeduca, seguramente não se deve à ação direta do público alvo da normativa – que é a própria infância e juventude – mas a total omissão de efetivas políticas públicas e a flagrante falha do Estado.

Não há que se cogitar redução da idade penal, até porque o limite de 18 anos adotado pelo legislador baseia-se em critério biopsicológico, ou seja, o adolescente não possui formação biopsiquíca completa.

Um último aspecto de caráter político e conceitual: “a demanda social por segurança do cidadão não somente é real como também é legitima.” (17) Ilógico e irresponsável é buscá-la de forma irracional, ilusória e baseado em alarme social provocados por fatos isolados que não retratam a realidade da participação de jovens na execução de atos infracionais. A solução, creio, está na implementação de medidas políticas e sociais efetivas de participação, inclusão e garantia dos direitos fundamentais. Não se pode permanecer tratando a miséria e as desilgualdades de forma penal e não social.

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Karinne BRAGA FERREIRA

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Formada em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros (MG), Brasil. Doutora em Criminologia pela ‘Alma Mater Studiorum’ de Bologna, Itália. Autora do livro Criminologia – Curso e Concurso – editora Saraiva, São Paulo: 2011. Professora da Faculdade Vale do Gorutuba – FAVAG – Janaúba (MG), das Faculdades Integradas Pitágoras – Montes Claros (MG) e das Faculdades Unidas do Norte de Minas – FUNORTE - Montes Claros (MG).

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